segunda-feira, 19 de maio de 2014

Biomarlene - O Laudo Diário de uma Esquizofrênica

Biomarlene – O laudo diário de uma esquizofrênica
 
Biologia, bioeletricidade, bio – Isso, bio – Aquilo. A vida em suas variadas formas.
Marlene é ´´minha`` paciente. Se existe o quadro no Fantástico; Repórter Por Um Dia, por que não, psiquiatra por um dia?
Enfim, tenho sido sua observadora, quase que a estudando. Atenta a cada hábito novo, ou estranho. Sua persistência em organizar os objetos da mesa ao lado. Quando beija o dorso de cada um dos dedos da mão (No que estará pensando?). Mas, os repetitivos são os que mais me chamam a atenção. Sua obsessão em lavar as mãos. O abrir e fechar do zip da mala. E sua reverencia diante da porta.
Mesmo com tudo isso, hoje numa conversa, pude constatar algo do que ela não sofre.
_ Marlene, se você pudesse fazer qualquer coisa, qualquer coisa mesmo, o que você queria? – Perguntei com grande expectativa. Parecida com aquela expectativa de uma criança ao abrir o Kinder Ovo.
– Sucintamente me respondeu – Um gole de água.
Ouvindo essa inesperada resposta, engoli minha saliva juntamente com minha auto vergonha. E permiti que aquelas doze letras me esbofeteasse. Embora ela seja uma pessoa com sua lucidez limitada, havia sabedoria no que ela disse.
É estranho, mas aprendi algumas coisas com essa experiência. Ao juntar as sementes de uma mexerica nas mãos, e me preparar para jogar no lixo. Marlene se levantou as pressas de seu leito e me censurou, dizendo: _ Não se joga sementes no lixo. Sementes se planta. – E me fez juntar com as suas outras sementes num copo. Bio-copos, um novo jeito de viver a vida.

Talvez, a sua condição deve ter secado o poço de suas vontades. Ou talvez, foi a falta de vontades que a fragilizou. Mas também, havia uma nobre alternativa; a de autossuficiência.
´´Um gole de água`` – repeti para mim mesma – Pode parecer não fazer sentido. Você pode ter qualquer coisa, e deseja um gole de água? Tudo bem que o problema nos reservatórios de água é preocupante. Mas o mundo ainda não entrou em guerra por nascentes. Bem diante dela havia uma garrafa com água fresca. Eis me aqui, beba-me!

Encaro as palavras como a um jogo de Tetris. Quer em forma de poemas, letras de música, textos bíblicos ou um conselho amigo. Onde a mente como os botões do controle, muda a forma que melhor se encaixa em nosso coração. A conclusão pode ser  volúvel como a água. E prefiro encarar aquele ´um gole de água`, num entendimento poeticamente sábio: O essencial é dádiva gratuita que desce dos céus. Como agora, com a chuva lá fora.

Marlene e suas filhas não sabem, mas naquela noite fui dormir com mais uma vontade da altura de uma estrela. Ver a cura mental de todos os fragilizados. 

O ritmo a música é péssimo. Me concentrei na letra:

O que sou não sei o que sei é pouco
sou morador de um planeta onde só existem loucos

cada um com suas loucuras cada um com suas fissuras

tem o louco doente, tem o louco que cura

tem o louco que nem eu que tenta entender a vida
tem o louco matador tem o louco suicida

sou louco mas pouco vingativo talvez

seis loucos não pensam a mesma coisa de uma vez

o mais loucos de todos conseguiu voar

cadê o louco que inventou a bomba nuclear?

devagar posso chegar em algum lugar

se correr posso cansar e nunca chegar lá

todos sonham com o futuro mas teme a velhice

querem enganar o tempo eu sei que é tolice

todo dia é o mesmo dia só muda a data

a realidade dói como o corte de uma faca

tapar o sol com a peneira é atitude de covarde

você fecha os olhos quando abre é tarde

quero entender o ser humano é meio complicado

to indo pro futuro eu vim do passado

passei pelo presente foi coisa de segundos

é meio complicado querer entender o mundo


Na loucura da droga perdi os sonhos da vida
na noite dos loucos perdi minha família

estou dormindo no chão comendo igual um porco

por causa desta vida deste mundo louco

um certo dia um homem disse vou te curar

disse que o álcool e as drogas eu ia largar

me deu um livro cabuloso com letras douradas

mas a loucura não me deixava enxergar nada

eu comecei a gritar, louco, muito louco

as pessoas diziam com medo, lá vai o louco

tem doença que sara tem doença que cura

mas quem vai curar a minha loucura

estou tremendo com medo meus olhos choram

será que esta loucura nunca vai embora

queria ter futuro uma vida de glória

mas a loucura levou a minha infância e minha história

Sou louco mais pouco, pouco pensa o louco
mas pensar em quem, se todo pensar é torto

é torto pensamento que o louco tem

inofensivo é o louco que não faz mau a ninguém

numa camisa de força o louco foi preso

será que é o louco é quem prendeu ou louco é quem tá preso

dizem que o louco pensa, mas pensar em quem

se o pensamento do louco é vazio também

mas quem será o louco?

o louco o psiquiatra que interroga o louco

que não pensa o que fala, que não pensa o que fala.
*** Pacificadores - Louco***

                                                                                                                                               

                                                                                                                                           ...Andressa Kárita...